sábado, 29 de outubro de 2016

O Bardo #4 - Contos de Terror da Meia-Noite

E pensava consigo mesmo a vítima daquele infortúnio: "Minha vingança cairá sobre ele, maldito seja, como a morte cai sobre todos. Farei com que sofra a dor que me fez sentir, sem nenhum dó"

Os agressores eram quatro. Mafiosos, queriam o pagamento, não receberam, tiveram de agir. Agora estavam cada um em suas casas, embora a vítima da vingança fosse só uma, o chefe da facção criminosa. Era madrugada, por volta das duas horas. O vingador entrara pelo alçapão externo do porão, facilmente aberto com o auxílio de um pé-de-cabra. Era uma casa grande, de madeira, dois andares. 

A vítima dormia, com sua esposa, na antiga cama de madeira de cedro, pesada, em suas cobertas de tecido nobre, comprados através do dinheiro proveniente da ação criminosa. A cama ficava no centro do quarto, encostada na parede, ao seu lado esquerdo, onde dormia a mulher, estava um grande armário, de madeira robusta escura. Na direção dos pés da cama, ficava a porta do quarto, que estava entreaberta, e revelava a escuridão do corredor do andar de cima daquela velha casa. Ao lado direito, onde o mafioso roncava pesadamente, uma brisa fria entrava pela janela, junto com uma luz suave e tenebrosa. Sentindo o calafrio, o chefe da gangue, por volta dos 50 anos, levantou-se. 

Dirigiu-se à janela, depois de colocar os pesados tecidos do cobertor para o lado, olhar para o breu tentando enxergar qualquer coisa, desistindo, e pegar o charuto de cima do criado-mudo. Acendendo o charuto, colocou-o na boca, fechou o vidro da janela. Ficou escorado na parede, olhando melancolicamente para a noite quieta lá fora. Nenhuma viva alma andava pela rua, a não ser um vira-lata raquítico que vasculhava as latas de lixo em busca de comida, tremendo de frio devido à névoa baixa que pairava no asfalto. Silêncio total. O mafioso notou que, no gramado do jardim, marcas de lama formavam pegadas, que seguiam até a lateral da casa, e sumiam de vista. Achou estranho.

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Resolveu descer para investigar, e com passos leves, saiu do quarto sem acordar a mulher. O corredor era ainda mais escuro do que o quarto. Pegou, num pequeno balcão encostado na parede, abaixo de um quadro com o retrato de um velho senhor com olhar impetuoso, uma vela. Acendeu-a iluminando a pintura, onde se liam as palavras "Ao finado pai, patriarca mais generoso da família." Ouviu um ruído de passos na escada. Antes mesmo de andar mais dois metros na direção da pequena sacada da escada, apagou a vela. Pegou o revólver da mesma gaveta de onde tinha pegado a vela, e ficou de prontidão para mandar para o inferno o invasor.

O primeiro passo fez ranger o degrau de madeira. Os passos seguintes silenciaram. Encostado na parede, ao lado do sinistro quadro, o mafioso esperava, calculando com certa aproximação o tempo para o intruso chegar ao segundo andar. Mas estava muito escuro. Teria que atirar às cegas. Ouviu nitidamente quando o invasor pisou no chão de parquê, e não hesitou em desferir cinco tiros na direção da escada. 

A casa silenciou novamente. Ninguém se movia. O criminoso achava que tinha conseguido matar o intruso, e sorriu. Neste momento, o silêncio foi quebrado pela porta do quarto se abrindo rapidamente, e a mulher do mafioso saindo dele com uma vela acesa na mão. 

A luz alaranjada forneceu muito pouca claridade ao ambiente. A mulher, pasma, perguntou ao marido, sussurrando:

-- O que houve Pietro? Mais um bandido?
-- Já disse para não me chamar assim! Faça silêncio, quero checar o corpo.

Assim que disse isso, na luz da vela, aparece um reflexo de metal. Pôde ver pelo contorno, um pé-de-cabra, e antes mesmo de qualquer reação, o metal desceu sobre o cérebro da esposa, e esta caiu no mesmo instante.
A vela caiu no chão, apagando-se lentamente.
Pietro atirou desesperadamente mais duas vezes, antes de ouvir os estalos do revólver indicando que não havia mais munição. Tremendo, largou a arma, tomou a iniciativa e saiu correndo, atropelando o que houvesse em sua frente, e desceu a escada tropeçando. 

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Chegou ao pé da escada, olhou para a lareira e pegou o atiçador de fogo, apontando-o para o lugar de onde, esperava, o assassino viria. O andar de baixo da casa estava também escuro, embora uma suave iluminação viesse da janela da sala, fazendo ser possível contemplar a rústica decoração, os quadros de pessoas falecidas, as poltronas de tecido vermelho xadrez. 

Pietro não tinha tempo de contemplar a decoração. Só apontava para a escada aquele pedaço de metal afiado, com alguma esperança de se defender.

Silêncio. 

Pôde-se ouvir a chuva que começava timidamente. 

Pietro aproximou-se da escada. Um passo depois do outro, olhou para cima.

De súbito, o cadáver de sua esposa caiu enforcado onde ele estava, ao mesmo tempo em que um relâmpago iluminou a cena, e ele pôde ver o rosto de pânico que ainda estava estampado no rosto da mulher. Saiu correndo na mesma hora, deixando a porta da frente escancarada, se dirigiu à garagem. 

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A chuva já era bem mais forte. Trovões deixavam a atmosfera mais e mais aterrorizadora. Pietro chegou na garagem, entrou no carro, o desespero tomando conta de seus gestos. Colocou a chave na ignição.

O carro fez ruídos, como que engasgando. Não pegava. Pietro bateu no painel, com raiva, e desistiu de usar o carro. Tentou sair, mas a porta estava trancada. O portão da garagem se abriu lentamente, revelando um vulto esperando, de pé. Um raio caiu nesse instante, revelando uma face branca, deformada, totalmente assustadora. Um grito sufocado saiu do fundo da garganta do mafioso. A porta do carro se abriu, e ele saiu tropeçando, olhando para trás a cada dois segundos, perdendo o assassino de vista. 

Chegou ao quintal da casa, não sabia para onde fugir. O escuro impedia a visão, e inevitavelmente, ele caiu num buraco retangular à sua frente. Era uma cova, mais profunda do que um poço.

O criminoso não continha-se de terror, seu coração palpitava chegando a doer.

Suas unhas tentavam em vão agarrar-se à terra, buscando sair daquele buraco da morte. Mas olhou pra cima, e viu aquele rosto cadavérico, com um brilho fantasmagórico, sorrindo malignamente para ele.

-- Por que? Quem diabos é você?

-- Você me enterrou vivo Peter. Estou retribuindo.

Os gritos do mafioso eram mais e mais altos enquanto a terra caía sobre seu rosto, e cessaram quando a terra já o cobria. O assassino fantasma virou-se e saiu, deixando a pá cravada no jazigo eterno de Pietro.


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